Arraias podem ser perigosas
A maioria das arraias habita os mares,
mas esses peixes cartilaginosos também podem ser encontrados em quase todas as
bacias hidrográficas da América do Sul. Nem todas as espécies de arraias
apresentam ferrões; a enorme arraia-jamanta, por exemplo, não os possui. No mar
ou nos rios, a ferroada desses animais é extremamente dolorosa, embora não seja
mortal.
O corpo das arraias pode ter vários
formatos. As arraias fluviais apresentam corpo achatado em forma de disco, com
desenhos exóticos, o que as torna um alvo potencial do comércio de peixes para
aquaristas. Esses belos animais de aparência amistosa podem ter até três
ferrões na porção final da cauda. As arraias-de-ferrão marinhas e fluviais
podem apresentar ferrões em locais variáveis da cauda, fato importante na
avaliação da gravidade da ferroada, pois quanto mais distal o ferrão estiver na
cauda, maior a violência do golpe e a penetração do ferrão. Além disso, o
epitélio que recobre o ferrão é constituído por células produtoras de um
potente veneno, que tem ação neurotóxica (provoca dor) e dermonecrótica (causa
feridas na pele).
A pessoa atingida por esse animal
(normalmente pescadores ou banhistas em locais com águas rasas) sofre dores
intensas, que podem durar até 48 horas. Em alguns acidentes surgem febre,
mal-estar, náuseas e vômitos. Em cerca de 15 dias é comum o aparecimento de
feridas no local da ferroada, que demoram meses para cicatrizar. Não há
registro de mortes por ferroada ou pelo veneno, mas como as infecções no local
da ferroada são muito graves é possível que isso ocorra.
As arraias não atacam seres humanos.
Entretanto, se forem tocadas ou pisadas, apresentam um reflexo de defesa na
qual a cauda golpeia como um chicote, introduzindo o ferrão na vítima. Os
locais mais atingidos são os pés ou as pernas de banhistas e as mãos de
pescadores.
Os ribeirinhos do Pantanal e da
Amazônia sabem muito bem que as arraias ficam semienterradas na areia em águas
rasas, buscando pequenos peixes e moluscos para se alimentar. Assim, eles
entram nos rios sem levantar os pés, arrastando-os no fundo, o que faz com que
as arraias se afastem.
A distribuição das arraias fluviais no
Brasil vem mudando nos últimos anos. Sua provável entrada nos rios da América
do Sul ocorreu por meio de espécies existentes no Caribe. Inicialmente nas
águas da bacia Amazônica, elas foram migrando e colonizando os rios da bacia
Araguaia/Tocantins e o Pantanal mato-grossense. Comuns no rio Paraguai, cujas
águas são responsáveis pela formação da maioria das regiões alagadas do
Pantanal, as arraias acompanharam o trajeto do rio na formação do rio da Prata
e vivem há muito tempo na Argentina e no Paraguai. Desde a construção da usina
de Itaipu, arraias fluviais vêm migrando pelo rio Paraná por causa do
desaparecimento das barreiras naturais, como Sete Quedas, por exemplo.
Presentes em Presidente Epitácio (divisa do estado de São Paulo com o Mato
Grosso do Sul), elas já foram comprovadamente registradas e causaram acidentes
na região da usina de Jupiá, a 30 km da foz do rio Tietê. Isso nos leva a
analisar as consequências da introdução de um peixe potencialmente causador de
acidentes graves no maior rio do estado mais populoso do Brasil. O rio Tietê
corta todo o estado de São Paulo e por suas várias represas e usinas
hidroelétricas apresenta inúmeras áreas de águas rasas e fundos arenosos,
ideais para a adaptação das arraias.
Existem outros peixes venenosos nos
rios e mares do Brasil. Conforme a dor que provocam, o acidente causado por
bagres é classificado como sendo de média gravidade; o das arraias, como grave;
e o do peixe-escorpião ou mangangá, muito grave. Os acidentes provocados por
bagres marinhos (assim como por mandis, de água doce) são muito comuns; os
causados por arraias, nem tanto; já os acidentes com peixes-escorpião
felizmente são raros.
O tratamento inicial é muito simples,
altamente efetivo e pode ser aplicado a qualquer acidente por peixe venenoso.
Deve-se mergulhar o local ferroado, que geralmente é uma das extremidades do
corpo, em água quente, mas tolerável (o ideal é que outra pessoa sinta a
temperatura com a mão). O veneno dos peixes é termolábil, ou seja, degenera no
calor. Com isso, 30 a 90 minutos de imersão aliviam consideravelmente a dor,
permitindo que a vítima seja transportada com tranquilidade até um hospital.
*Prof. Dr. Vidal Haddad, do
Departamento de Dermatologia - Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp
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