Paulo Mendes da Rocha
BIOGRAFIA
Paulo Mendes é natural de
Vitória, capital do Espírito Santo, mas chegou ainda criança com os pais que se
mudaram do Rio para São Paulo e lá desenvolveu toda a sua carreira.
Formou-se pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, em 1954, e, três anos depois
obteve o primeiro lugar no concurso para a construção do Ginásio de Esportes do
Clube Atlético Paulistano, o que impulsionou sua trajetória.
São de Paulo Mendes da Rocha
obras que marcaram a cidade e sua população, como a reforma do prédio da
Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Centro Cultural da FIESP, o Edifício
Guiambê e o Museu de Arte Contemporânea, com Jorge Wilheim,
sendo a mais recente a adaptação do prédio da Estação da Luz para recebeu o
Museu da Língua Portuguesa.
Ele também é autor de importantes
projetos urbanísticos e arquitetônicos em outras localidades: o Museu de Arte
de Campinas, na Unicamp; o Terminal Rodoviário de Goiânia e o Estádio Serra
Dourada, em Goiás; além do Pavilhão do Brasil na Exposição Mundial de Osaka, no
Japão. No momento, desenvolve um plano geral para a Cidade Tecnológica da
Universidade de Vigo, na região da Galícia, na Espanha.
Paulo Mendes da Rocha pertence à
última geração de arquitetos modernistas brasileiros, representante da “Escola
Paulista”.
Formado pela Universidade
Mackenzie de São Paulo em 1954, em uma de suas primeiras turmas, teve como seu
primeiro projeto o ginásio do Clube Atlético Paulistano (1957-58) em parceria
com João E. de Gennaro.
Trabalhou com João Batista Villanova
Artigas, em 1959 e 1960, um dos principais arquitetos da geração anterior.
Em 1961 tornou-se professor da
FAU–USP, sendo afastado em 1969 pela ditadura militar. Só retornaria a lecionar
em 1980.
Foi premiado em 1971 no Concurso
Internacional para o Centro George Pompidou, em Paris.
Ocupou em 1972, o cargo de
presidente da seção paulista do IAB e também o exerceu em 1986.
No final dos anos 90 participou
da X Documenta de Kassel, foi premiado na I Bienal Ibero-Americana de
Arquitetura e Engenharia Civil na Espanha e na IV Bienal Internacional de
Arquitetura de São Paulo recebeu homenagem com sala especial.
Dentre suas obras importantes
destacam-se: Museu de Arte de Campinas, na Unicamp (SP, 1989), Museu de Arte
Contemporânea, com Jorge Wilheim, (SP, 1975-77), Museu Brasileiro de
Arquitetura (SP), Centro Cultural da Fiesp (SP), a renovação da Pinacoteca do
Estado, (SP), Ginásio do Clube Atlético Paulistano (SP), Terminal Rodoviário de
Goiânia (GO), Estádio Serra Dourada (GO), Terminal Rodoviário de Cuiabá (GO),
Pavilhão do Brasil na Exposição Mundial de Osaka (Japão, 1970).
Foi premiado na Bienal
Ibero-Americana de Madri (Trajetória Profissional), Museu Nacional de
Belas-Artes (Prêmio Vitrúvio), Arquitetura Latino-Americana (Prêmio Mies van
der Rohe), Bienal Internacional de São Paulo (Ginásio do Clube Paulistano).
Desde então recebe uma série de
prêmios internacionais pela sua obra, realizada em várias partes do mundo,
dentre os quais se destacam o Prêmio Mies van der Rohe para a América Latina pelo projeto de reforma da Pinacoteca do Estado
de São Paulo (galardeado em 2001) e o Pritzker (em 2006).
CARACTERÍSTICAS DO ARQUITETO
A arquitetura de Paulo Mendes da
Rocha costuma ser apontada como um exemplo paradigmático do pensamento estético
que caracteriza aquilo que é chamado de Escola Paulista da arquitetura brasileira, uma linha de projeto que foi
encabeçada pela figura de João Batista Vilanova Artigas e bastante difundida na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo, escola na qual Mendes da Rocha viria a ser
professor. A Escola Paulista (obviamente chamada assim pois tornou-se famosa
nas mãos de arquitetos paulistas ou que trabalharam principalmente em São
Paulo), apesar de bastante criticada nas últimas décadas pelo seu alto custo
social e econômico, preocupava-se essencialmente com a promoção de uma
arquitetura "crua, limpa, clara e socialmente responsável" (de uma
certa maneira, influenciada pelos ideais estéticos do Brutalismo europeu), e apresentava soluções
formais que supostamente permitiriam a imediata apreensão, por parte dos
usuários da arquitetura, dos ideais de economia e síntese espacial expostos em
seus elementos formais, dentro de um raciocínio que se convencionou chamar de verdade estrutural da arquitetura. Também caracteriza o movimento a procura de soluções
formais que propiciassem a apresentação de um projeto de cidade ou de um
projeto utópico na realidade interna do edifício.
Na obra de Paulo Mendes da Rocha
vários destes elementos aparecem, reunidos segundo uma clara intenção espacial
evidenciada pelas escolhas de projeto arquitetônico. É uma obra em que a
influência dos ditos "mestres da Arquitetura Moderna" transparece: a
preocupação com uma arquitetura que mesmo sintética e limpa se exprime pelos
detalhes construtivos rigorosamente estudados (Mies van der Rohe), o concreto aparente aliado aos
grandes vãos nos quais a relação indivíduo-espaço é ora íntima e ora monumental
(Vilanova Artigas), a arquitetura formalista procurando denotar a
funcionalidade (Le
Corbusier/International Style),
a busca de espaços supostamente incentivadores do convívio humano, dentro de um
projeto de cidade e de sociedade (Rino Levi, Artigas, Alvar Aalto, etc).
O gesto arquitetônico promovido
por Paulo Mendes da Rocha, ou seja, as intenções projetuais que exprimem uma
dada visão de mundo ou um certo desígnio procuram cada um a seu modo propor
também um "projeto de humanidade", e tal ato evolui na medida em que
sua carreira progride. Tal projeto, que não se resume a sua obra, é expresso
também, genericamente, em toda a obra da Escola Paulista. Dado que tal gesto é,
supostamente, sempre confiante, as obras de Paulo Mendes acabaram caracterizando-se
por uma atitude rígida, certeira sobre o território: o arquiteto acredita que o
domínio do sítio - seja através da mudança da topografia, de sua completa
redefinição ou mesmo de uma mera ação sobre os fluxos de circulação do entorno
- é um elemento fundamental na expressão do domínio e da integração do homem
sobre e com a Natureza. Segundo suas palavras, a
primeira e primordial arquitetura é a geografia.
Sua obra também é dita por alguns
como caracterizada por um "raciocínio de pórticos e planos". De fato, em
vários de seus projetos, a plena configuração espacial se dá através de um
rápido jogo estrutural, promovido pelo domínio compositivo de elementos
construtivos tradicionais (pilares e vigas, assim como paredes simples e lajes). Os projetos nos quais mais se torna clara esta característica são os
do Museu Brasileiro de Escultura, da loja Forma e de algumas residências. Apesar da
influência visível dos já citados Mies van der Rohe e Artigas, Paulo Mendes da
Rocha é aclamado por alguns como um legítimo mestre quando lida com esta linguagem.
A intervenção arquitetônica na Pinacoteca do Estado de São Paulo valeu a Mendes da Rocha o prêmio
Mies Van der Rohe para a América Latina
- 1957
- Ginásio do Clube Atlético Paulistano,
São Paulo
- 1969
- Pavilhão brasileiro da Feira Internacional
de Osaka,
Japão,
juntamente com Flávio Motta, Júlio Katinsky e Ruy
Othake, demolido.
- 1973
- Estádio Serra Dourada em Goiânia
- 1975
- Museu de Arte Contemporânea da USP
(com Jorge Wilheim), São Paulo, não construído
- 1986
- Museu Brasileiro de Escultura
(MUBE), São Paulo
- 1989
- Museu de Arte de Campinas
- 1989/1990
- Casa Gerassi
- 1988/1999
- Reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo
- 1998
- Edifício do serviço estadual Poupatempo
no bairro de Itaquera,
em São Paulo, juntamente com o escritório MMBB.
- 1999
- Reforma do Centro Cultural da FIESP,
São Paulo, juntamente com o escritório MMBB
- 2002
- Projeto para uma cobertura sobre a Galeria Prestes Maia, na Praça do Patriarca em São Paulo
- 2006
- Intervenção e reforma da Estação da Luz, em São Paulo e projeto do Museu da Língua Portuguesa
naquele local.
OBRAS ARQUITETÔNICAS
ESCOLA DE CINEMA DARCY RIBEIRO
Convidado pelo IBAV, o arquiteto
e urbanista Paulo Mendes da Rocha – autor, entre outros, dos projetos do Museu
Brasileiro de Escultura (MuBE) e da reestruturação da Pinacoteca do Estado de
São Paulo – elaborou um projeto arquitetônico para adaptação do edifício-sede
da Escola de Cinema Darcy Ribeiro.
Em 2002, uma maquete deste
projeto foi executada, permitindo uma melhor visibilidade das alterações
propostas e da funcionalidade e beleza do projeto de Paulo Mendes da Rocha.
O projeto arquitetônico da Escola
prevê, portanto, espaços preparados para atividades de formação, educacionais,
de produção audiovisual, de exibição e de convivência do corpo docente e
discente: salas de aula, um cinema, auditório, sala de projeção multimídia,
biblioteca e videoteca, estúdio, salas técnicas de edição, fotografia,
produção, som, cafeteria e lanchonete, etc.
Com um planejamento racional de
ocupação, reforma e utilização e adequação provisória dos espaços disponíveis,
foi possível iniciar em 2002 algumas atividades de formação no edifício.
Entretanto, a conclusão das obras (hidráulicas, de sistema elétrico, de
instalação de elevadores, de adaptação dos ambientes, de refrigeração, de
tratamento acústico, etc.) em todo o edifício é fundamental para a expansão e
implantação do programa docente integral previsto.
PROJETO PATRIARCA
Em setembro de 2002, após nove
meses de obras coordenadas pela Empresa Municipal de Urbanismo (Emurb) e
realizadas com recursos da Operação Urbana Centro, a nova concepção de Paulo
Mendes da Rocha para a Praça do Patriarca foi entregue à cidade pela prefeita
Marta Suplicy. “Esperamos que a nova Patriarca possa renovar a cada dia o
sentido da novidade, da descoberta e do encantamento nos paulistanos”, disse
Marco Antonio Ramos de Almeida na cerimônia da reinauguração, em nome da
Diretoria da Associação Viva o Centro.
A praça tinha seu piso original
em mosaico português completamente restaurado e, livre dos ônibus, havia se
transformado em um espaço pedestrianizado amplo e aberto. A grande novidade,
contudo, foi mesmo a intervenção artística de Paulo Mendes da Rocha com a
criação do pórtico metálico sinalizando de forma monumental a conexão entre o
Centro Histórico e o chamado Centro Novo. O pórtico substituía de vez a
acanhada marquise de alvenaria sobre o acesso à Galeria Prestes Maia, que,
também por proposta da Viva o Centro, seria entregue ao Museu de Arte de São
Paulo (Masp) para instalação do Masp Centro, uma espécie de sucursal de um dos
mais importantes museus da cidade.
Impactante, e como havia
imaginado o arquiteto, a estrutura branca contrastava de modo deliberado com o
cenário composto predominantemente por edifícios de inspiração europeia,
projetados nos anos 1920 pelo escritório Ramos de Azevedo, e por alguns
exemplares da arquitetura moderna brasileira, além da delicada Igreja de Santo
Antonio, cuja primeira referência histórica data de 1592, com reedificação em
1717 e construção de nova fachada em 1911.
Memória descritiva do Projeto
Patriarca
A ideia “Viva o Centro” terá que
conter afirmações interessantes sobre a dependência entre as ideias e as
formas, um reviver da arquitetura urbana. Não simplesmente restaurar, também
criar novos desenhos que abriguem, aparecem e expressem hábitos, símbolos
urbanos contemporâneos, do tempo que vivemos.
Aqui, na Praça do Patriarca, é
indispensável a retirada dos ônibus e a partir daí, reformar o arranjo do espaço
com atenção particular para os seguintes aspectos deste Projeto:
Uma penetração do leito
carroçável para breves estacionamentos, ponto de táxis, serviços da igreja e
dos hotéis, para uso da própria Galeria Prestes Maia e ônibus turísticos ao
longo da Líbero Badaró. Uma modalidade domesticada entre automóvel e pedestre.
Que chegue um carro junto ao limite da Rua São Bento, boca da Rua da Quitanda,
da Rua Direita, tradicional centro Bancário e Jurídico.
Uma implantação intrigante,
estratégica – ao longo do eixo do Viaduto – para o Ceschiatti Belíssimo com sua
casaca barroca.
Uma restauração oportuna dos
desenhos nos mosaicos do piso, imperfeita...
A substituição da cobertura para
o acesso da Galeria Prestes Maia. Que seria a peça mais importante do conjunto e
que realiza a Praça.
Neste artefato arquitetônico
deve-se tentar falar da contradição das escalas da “cidade velha” com a
paisagem do Vale do Anhangabaú, principalmente em relação ao leito do viaduto,
uma extensão do mesmo piso da Praça no vazio, um passeio sob o amplo céu
aberto.
Tanto para o abrigo das
escadarias, como para o conjunto da situação toda, imaginamos uma cobertura
suspensa, que não toca o chão, mostrando para o pedestre a pequena praça
inteira e uma arquitrave que a sustenta pendurada, constituindo um portal para
aquela parte da cidade, na qual se vai entrar. Por ali, naquele lugar. E, no
sentido contrário, uma moldura de aviso para passar aos espaços abertos, para os
visuais sobre o outro lado da cidade.
Esta estrutura se resolve com
formas adequadas, leves e um tanto da aparência instável, convocando sensações
imprevistas.
Estrutura metálica, de aço, de
acordo com os desenhos, modelo, fotografias do modelo e cálculos estruturais
preliminares que acompanham esta memória. De fácil execução com tecnologia
perfeitamente dominada pela nossa engenharia. A cor deverá ser clara, branca. O
peso total do conjunto está estimado em 88 toneladas, muito cômodo.
Iluminação nova, com refletores
dirigidos para a Igreja e os edifícios restaurados. Uma iluminação própria da
cobertura suspensa, irradiante da superfície branca, como o lugar.
Qualquer leitura clássica, por
parte da crítica, do valor da Casa Gerassi fica comprometida, já que se torna
insuficiente e ruidosa. Mas pode-se propor como demonstração da nossa própria
incapacidade em construir uma fórmula alternativa de aproximação ao significado
desta casa.
Detecta-se no projeto de Paulo Mendes da Rocha toda a aprendizagem moderna, que
se indicia aqui como um modo muito próprio de citação, recurso habitual da
prática arquitetônica que a crítica sempre privilegia como ponto de observação.
A Casa Gerassi não se inibe de
usar a história. Eleva-se do chão, libertando o solo para usos diversos,
ampliando assim a liberdade de movimentos dos seus habitantes, tal como as
casas modernas o demonstraram primeiro através de elegantes pilotis e
posteriormente com tudo o que as tecnologias de construção permitissem em
resoluções cada vez mais audaciosas. A tradição brasileira, essa, transformou
este postulado numa marca e numa configuração.
Depois, desenvolve-se num piso
único que é o térreo suspenso, propósito de economia que se reflete no
tratamento interior, sem desperdício de funções domésticas que separem a
família em compartimentos esdrúxulos. Propõe, assim, uma vida familiar que se
aproxima da convivência mais ancestral, com os quartos que comunicam
diretamente para a sala de uso coletivo.
A análise da planta comprova a
eficácia do programa dividido em áreas funcionais demarcadas - serviços, estar
e dormir -, ainda que formalizando um espaço fluido, sem barreiras ou áreas de
circulação que funcionem como obstáculos.
Nesse sentido, pode ser
interpretada como uma oposição ao espaço pós-moderno preferido por certas
elites brasileiras, que vêem na compartimentação da casa um modo de afirmação e
status. Beneficia, portanto, de todos os apuramentos anteriores que ditaram a
disposição do ambiente doméstico durante o século XX, reforçando a importância das
melhores orientações solares e climáticas.
Por fim, o recurso à
pré-fabricação que também foi uma decorrência do discurso moderno.
Principalmente entre algumas
gerações de arquitetos oriundos de países como o Brasil, que vislumbraram neste
sistema uma solução a médio prazo para o problema da habitação popular, o que
não haveria de cumprir-se por razões estranhas à cultura arquitetônica, ainda
que também por desencanto da classe profissional que não se organizou para
realizar a “revolução necessária” que permitiria atingir um estágio de produção
massiva e contínua.
No caso brasileiro, ainda, a
importância que o sistema construtivo assumiria na configuração formal da
arquitetura revelar-se-ia um dos seus contributos mais celebrados
internacionalmente. E a Casa Gerassi poderia, nesta visão unívoca, ser reduzida a herdeira de duas outras moradas paulistanas extraordinárias do
arquiteto Vilanova Artigas: a Casa Mendes André (1966), também de programa moderno, suspensa do
solo e configurada pelo sistema construtivo proposto na sua execução: uma
treliça em que a tração e a compressão se expõem.
E a Casa Telmo Porto (1968), de
sofisticado aprumo tecnológico, elevada num pilar único, cujo processo
construtivo se completa com mais três elementos: duas paredes de carga, vigas
pré-fabricadas de cobertura e laje. Todos os ensinamentos, então, compactados
numa só casa.
Mas pouco do que foi dito
esclarece quanto ao que a Casa Gerassi representa.
Que milagre opera a Casa Gerassi?
Não será tanto o da multiplicação, que o sistema construtivo, por evocar a
pré-fabricação, sugere. Antes o que essa sugestão carrega: a demonstração da
simplicidade aparente do ato de construir.
Mendes da Rocha reduz esse
esforço a uma evidência que se cumpre na facilidade do gesto.
Uma estratégia muito mais larga
do que somente resolver os problemas que se colocam à carência habitacional em
grande escala no seu país, provavelmente o primeiro argumento em que se pensa
quando se fala de pré-fabricação. Porque seria muito mais fácil justificar a
Casa Gerassi, nesse sentido restrito, como uma espécie de manifesto do
arquiteto, uma postura afirmativa em face do mundo e das especificidades da
sociedade em que trabalha.
Não é que o não seja. Obviamente
que a Casa Gerassi também transporta esse desejo de não existir como artefato
isolado, mas de em si representar uma hipótese. Só que esta não se espelha na
reprodução do sistema, mas no uso instrumental das suas virtudes. Mais do que
isso, significaria um alerta para as infinitas possibilidades que qualquer sistema
construtivo expõe quando o arquiteto o interroga.
Assim, o que estaria em causa na
Casa Gerassi não seria o pressuposto da pré-fabricação, mas a reflexão sobre a
velha relação entre construção e arquitetura. O que Mendes da Rocha encontrou e
é raro achar-se, mesmo na vida de um arquiteto, é a matriz ou a origem.
A Casa Gerassi transforma-se
então num objeto claro, saído de uma intenção firme, porque produto de um
instinto primitivo e universal. Dir-se-ia que cumpre com exatidão a função de
abrigo que é uma necessidade ancestral, uma vez que nela o homem tudo aposta,
gerindo a cada novo momento da sua história o equilíbrio preciso entre
construir e habitar.
Por isso não é obra, como
gostaria Mendes da Rocha, da ingenuidade pueril da infância, antes da clarividência
que só a experiência pode almejar.
É preciso um homem despojar-se
para imaginá-la, condição que se alcança como prêmio de um percurso não
necessariamente longo, contudo, vivificado. Até porque, ao contrário do que
muitos fazem crer, não é a velhice um estágio de acomodação. Corresponde, isso
sim, a um apuramento do foco principal dos desejos.
Revela-se numa resistência que se
radicaliza como único modo íntegro de agir. O arquiteto despoja-se da tentação
de mostrar sob uma forma figurativa o conhecimento acumulado, de dar vazão aos
hábitos do desenho continuamente ensaiado em anos de prática, de causar espanto
nos outros com uma materialização inusitada.
A Casa Gerassi surpreende pelas
razões contrárias. Porque está ali, aparentemente, ao alcance de qualquer
imaginação. Um vestígio de humanidade num mundo de degenerados. Como no conto
de Borges, que afinal é uma parábola sobre a perversidade do conhecimento
sofisticado, já que, fatalmente, este acabará por se transformar em barbárie,
afastando-se com tal intensidade das suas raízes que estas se tornarão
irreconhecíveis.
A Casa Gerassi surpreende pelas
razões contrárias. Porque está ali, aparentemente, ao alcance de qualquer
imaginação. Um vestígio de
Num enquadramento erudito, do
gênero que tanto desagrada a Mendes Rocha, este é o seu modo de se comunicar
com homens afins.
Também é uma maneira possível,
entre um universo lato, de regenerar a arquitetura contemporânea, elegendo
novamente pontos de aproximação simples e imediatos com essa sabedoria primordial
que é construir. Como se tivesse sido um fato omitido durante muito tempo e
fosse agora necessário resgatá-lo. Porque construir não se esgota na qualidade
do detalhe e do encaixe, nem no virtuosismo do pedreiro, mas encerra o domínio
instrumental das técnicas usadas de acordo com a demanda. Esse é
simultaneamente o destino e o milagre da Casa Gerassi.
Ficha Técnica - Casa Gerassi
Local - São Paulo-SP
Projeto – 1990
Execução – 1991
Arquitetura – Paulo Mendes da
Rocha
Estrutura - Reago Construções
Construção - Antonio Gerassi
LOJA FORMA, SÃO PAULO, 1987.
Em vários momentos e lugares
tenho afirmado que, nos poucos casos em que arquitetura e arte se confundem, o
projeto surge como uma atividade totalizadora que sintetiza na forma os
requisitos do programa, as sugestões do lugar e a disciplina da construção.
Do mesmo modo, tenho chamado
atenção para uma das contribuições fundamentais da arquitetura moderna ao
pensamento projetual contemporâneo: os conceitos de economia, rigor, precisão e
universalidade, de grande valia, ontem, hoje e sempre, como critérios de
projeto e da sua verificação.
Poucas obras são tão adequadas
para exemplificar essas duas afirmações quanto a Loja Forma, projetada por
Paulo Mendes da Rocha há quase duas décadas.
A julgar pelo material publicado,
havia duas condições fundamentais no início do trabalho. O programa consistia
na criação de um espaço para exposição e venda de móveis. E não qualquer tipo
de móveis, mas coleções assinadas pelos principais arquitetos e designers do
século XX.
Além disso, o terreno apresentava
como característica importante o fato de estar numa avenida predominantemente
ocupada por estabelecimentos comerciais, com um tráfego intenso e rápido de
veículos, o que eliminava a possibilidade de que os clientes estacionassem
junto às calçadas, e diminuía consideravelmente a probabilidade de que
chegassem à loja a pé.
Dois aspectos essenciais do
projeto construído são absolutamente coerentes com um exame apurado do programa
e do lugar em que o edifício se localiza. Por um lado, a forma prismática
elementar, que dá ao edifício grande intensidade formal e lhe confere destaque
por contraste em meio ao caos visual que caracteriza a Avenida Cidade Jardim.
Um edifício mais elaborado formalmente se confundiria facilmente com os seus
vizinhos, impedindo a sua identificação imediata.
Por outro lado, a decisão de
criar uma única vitrine, elevada em relação à rua, garante visibilidade aos
objetos à venda do ponto de vista habitual de quem passa pela loja, quase
invariavelmente dentro de um carro e trafegando à velocidade considerável.
O problema do estacionamento para
clientes se resolveu dedicando todo o nível do solo a essa atividade (750 m2).
Para que isso fosse possível, o piso da loja foi elevado. A eliminação de
qualquer apoio intermediário acrescentou ainda mais facilidade ao ato de
manobrar um automóvel sob o edifício. O fato de que a entrada da loja se dê por
uma escada retrátil é mais um recurso para a liberação completa do térreo.
Tanto o desejo de contar com um
pavimento térreo diáfano como o de criar uma longa vitrine sem nenhum apoio
intermediário teve importantes consequências técnicas.
É neste momento em que começa a
aparecer a maestria do arquiteto, pois forma e construção são resolvidas ao
mesmo tempo, chegando a resultados de rara consistência. Ao contrário da
maioria dos edifícios com que convivemos, aqui estrutura e forma se confundem;
ficamos sem poder definir qual é qual. Como em muitos outros casos na
arquitetura de Paulo Mendes da Rocha, após a definição e/ou construção da
estrutura resistente pouco falta para completar o edifício.
Para vencer trinta metros de vão
livre, são necessários vigas e pilares de tamanho considerável. O que é digno
de menção é o fato de que embora essas vigas e pilares sejam enormes, não nos
damos conta dessas dimensões, devido à sua integração com outros elementos do
projeto. Por exemplo, duas vigas "duplo T" de concreto de
aproximadamente um metro e meio de altura vencem o grande vão ao nível do piso
da loja. Essa dimensão passa despercebida pelo fato de as duas vigas serem
conectadas por duas lajes (basicamente o prolongamento das mesas inferior e
superior das vigas). A laje superior, que conecta as duas vigas sem
ultrapassá-las, constitui o primeiro piso da loja. A laje inferior avança até
os limites da caixa e constitui o piso da vitrine. Essa diferença de nível,
além de individualizar a vitrine como um espaço, permite uma visão ascendente e
diagonal do interior da loja desde o seu exterior. Uma brilhante solução que
resolve espaço e estrutura ao mesmo tempo, sem nunca cair na tentação de exibir
a "musculatura" do edifício.
Coisa similar acontece com os
apoios verticais, quatro pilares retangulares com lados entre 1m e 1,5m2. A sua
colocação entre duas lâminas verticais de concreto tem efeito semelhante ao
obtido com as vigas de concreto: escondem a sua real dimensão e, ao avançar a
lâmina externa até o limite da caixa, sugerem que o volume é suportado por um
plano quase sem espessura. No interior de cada conjunto estão as instalações, a
escada, elevador, sanitário e demais apoios.
Sobre esse H em concreto, formado
pelos dois "castelos" verticais e o conjunto de pilares e lajes que
forma o piso principal da loja, se assentam os outros elementos do edifício,
ambíguos em seu duplo papel de estrutura e fechamento. Vigas metálicas de
trinta metros de extensão e oito de altura constituem as fachadas principal e
traseira, resolvendo desse modo a longa e contínua vitrine, que acaba se
caracterizando como um intervalo entre viga superior e laje inferior, como uma
ausência de elementos que, paradoxalmente, adquire um protagonismo essencial5.
Unindo as duas vigas principais aparecem o entramado da cobertura e o mezanino
da loja, que aumenta a área de loja ao mesmo tempo em que contraventa as fachadas.
Fica assim definido um grande prisma de espaço interior, cuja unidade o
mezanino não compromete.
A economia de meios, representada
pelo uso de poucos elementos e pela forma elementar do edifício, resulta em uma
obra de rara intensidade formal, que consegue atrair a atenção do transeunte
sem ter que recorrer à espetacularidade vulgar. O rigor do procedimento
projetual é evidente; nenhum elemento presente poderia ser descartado sem consequências
sérias para a integridade formal e física do edifício.
A precisão está presente em todos
os recantos da Loja Forma, tanto no modo em que os elementos são projetados, na
coordenação entre eles, assim como nas suas junções e terminações. A
universalidade da solução reside não apenas na possibilidade de ser entendida
por qualquer pessoa com uma formação ocidental, mas também no fato de que,
embora seja uma resposta a um problema específico, podemos imaginar o edifício
abrigando atividades diferentes do atual6. A ausência de pilares e instalações
visíveis no exterior do grande prisma de espaço aumenta suas possibilidades de
usos diferenciados.
Essa breve descrição quer chamar
atenção para o fato de que, em toda obra de arquitetura de qualidade, a forma
não é um componente a mais, mas o modo em que sintetizamos o programa, a
técnica e o lugar. E que, fundamentalmente, a arquitetura de nível superior não
depende, para o seu surgimento, de localizações espetaculares, orçamentos
ilimitados ou programas glamurosos. Esta e outras obras do nosso principal
arquiteto provam isso com sobras.
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