Cólera
A Cólera (ou cólera
asiática) é uma doença causada pelo vibrião colérico (Vibrio cholerae), uma bactéria em forma de vírgula ou bastonete que
se multiplica rapidamente no intestino
humano produzindo potente toxina que provoca diarréia intensa. Ela afeta apenas os seres
humanos e a sua transmissão é diretamente dos dejetos fecais de doentes por
ingestão oral, principalmente em água contaminada.
Vibrio
cholerae
O vibrião da cólera é Gram-negativo e tem a
forma de uma vírgula com cerca de 1-2 micrômetros. Possui flagelo locomotor terminal. Estes víbrios, tal
como todos os outros, vivem naturalmente nas águas dos oceanos, mas aí o seu
número é tão pequeno que não causam infecções.
O víbrio é ingerido com
água suja e multiplica-se localmente no intestino delgado
proximal. Causa diarréia aquosa
intensa devido aos efeitos da sua poderosa enterotoxina.
Esta toxina tem duas porções A e B (toxina AB). A porção B é especifica para
receptores presentes na membrana do enterócito,
causando a sua endocitose
(englobamento e internalização pela célula). A porção A, é a toxina
propriamente dita, ligando-se à enzima
adenilato ciclase e provocando subida abrupta dos níveis de AMPc intracelulares. O AMPc é um mediador que
se liga à proteína cinase A, que por sua vez ativa outras proteínas que afetam
os canais de cloro, provocando a
secreção de cloro, sódio e água associada descontrolada pela célula no
lúmen intestinal. O vibrião não é invasivo e permanece no lúmen do intestino
durante toda a progressão da doença.
O fator que transforma
uma estirpe de vibrião não virulenta numa altamente perigosa parece ser a
infecção da bactéria por um fago (espécie de vírus que infecta bactérias).
Esse fago, o CTX-fí, contém os genes da
toxina (ctxA e ctxB) que os injeta quando da sua infecção à bactéria.
A cólera é uma infecção
intestinal aguda causada pelo Vibrio cholerae, que é uma bactéria capaz de
produzir uma enterotoxina
que causa diarréia. Apenas dois
sorogrupos (existem cerca de 190) dessa bactéria são produtores da enterotoxina,
o V. cholerae O1 (biotipos "clássico" e "El Tor") e o V.
cholerae O139.
O Vibrio cholerae é
transmitido principalmente através da ingestão de água ou de alimentos
contaminados. Na maioria das vezes, a infecção é assintomática (mais de 90% das
pessoas) ou produz diarréia de
pequena intensidade. Em algumas pessoas (menos de 10% dos infectados) pode
ocorrer diarréia aquosa
profusa de instalação súbita, potencialmente fatal, com evolução rápida (horas)
para desidratação grave e
diminuição acentuada da pressão sangüínea.
Transmissão
A cólera é transmitida
através da ingestão de água ou alimentos contaminados com fezes humanas. São
necessários em média 100 milhões de víbrios (e no mínimo um milhão) ingeridos
para se estabelecer a infecção, uma vez que não são resistentes à acidez
gástrica e morrem em grandes números na passagem pelo estômago.
Progressão e sintomas
A incubação é de cerca
de cinco dias. Após esse período começa abruptamente a diarréia aquosa e serosa, como água de arroz.
As perdas de água podem
atingir os 20 litros por dia, com desidratação intensa e
risco de morte, particularmente em crianças. Como são perdidos na diarréia sais assim como água, beber água doce
ajuda, mas não é tão eficaz como beber água com um pouco de sal. Todos os
sintomas resultam da perda de água e eletrólitos:
- Diarréia volumosa
e aquosa, tipo água de arroz, sempre sem sangue ou muco (se contiver estes elementos
trata-se de disenteria).
- Dores abdominais tipo cólica.
- Náuseas e vômitos.
- Hipotensão com
risco de choque hipovolêmico (perda de volume sanguíneo) fatal, é a
principal causa de morte na cólera.
- Taquicardia:
aceleração do coração
para responder às necessidades dos tecidos, com menos volume sanguíneo.
- Anúria: diminuição da micção,
devido à perda de líquido.
- Hipotermia: a
água é um bom isolante térmico e a sua perda leva a maiores flutuações
perigosas da temperatura corporal.
O risco de morte é de
50% se não tratada, sendo muito mais alto em crianças pequenas. A morte é
particularmente impressionante: o doente fica por vezes completamente mirrado
pela desidratação, enquanto a pele fica
cheia de coágulos
verde-azulados devido à ruptura dos capilares cutâneos.
Epidemiologia
A cólera é uma doença de
notificação obrigatória às autoridades sanitárias.
A cólera é uma doença
que existe em todos os países em que medidas de saúde pública não são eficazes
para a eliminar. Ela já existiu na Europa mas com
os altos níveis de saúde pública dos países europeus, foi já eliminada no
início do século XX, com exceção
de pequeno número de casos.
A região da América do Sul é hoje
a mais frequentemente afetada por epidemias de cólera, juntamente com a Índia. Neste último país, as grandes
concentrações pouco higiênicas de multidões durante os rituais religiosos hindus no rio Ganges, são todos os anos ocasião para nova
epidemia do vibrião. Também existe de forma endêmica na África e outras regiões tropicais da Ásia.
Os seres humanos e os
seus dejetos são a única fonte de infecção. Só quando água ou comida suja com
fezes humanas é ingerida podem suficientes quantidades de bactérias ser
ingeridas para causar a doença. As crianças, que têm a tendência de pôr tudo na
boca, são mais atingidas. As pessoas infectadas eliminam nas suas fezes
quantidades extremamente altas de bactérias, sendo os portadores (indivíduos
que possuem o víbrio no intestino, mas que não desenvolvem a doença) muito
raros. Há alguns casos raríssimos em que indivíduos contraíram a doença após
comerem ostras contaminadas.
Diagnóstico
O diagnóstico é por
cultura em meio especializado alcalino de amostras fecais. A identificação é
por microscopia e bioquímica.
Tratamento
O tratamento imediato é
o soro fisiológico ou soro caseiro para
repor a água e os sais minerais: uma pitada de sal, meia xícara de açúcar e
meio litro de água tratada. No hospital, é administrado de emergência por via
intravenosa solução salina. A causa é adicionalmente eliminada com doses de antibióticos, dos quais o primeiro
a ser usado é a tetraciclina,
e depois o cotrimexazole.
A higiene e o tratamento da água e do esgoto são as principais formas de
prevenção. A fervura da água de consumo é eficaz na destruição da bactéria.
A vacina existente é de
baixa eficácia (50% de imunização) e o seu efeito dura apenas de 3 a 6 meses
após a administração, o que a torna inviável.
Efeitos genéticos nas
populações
Os indivíduos com a
doença genética ou status de portador do gene da fibrose cística, são
parcialmente resistentes aos efeitos da cólera. Nas regiões mais afetadas desde
tempos imemoriais (Índia), a frequência deste gene é muito superior ao de
outras regiões.
História
A cólera provavelmente
originou-se no vale do rio Ganges, Índia. As epidemias surgiam invariavelmente
durante os festivais hindus realizados no rio, em que grande número de pessoas
banhava-se em más condições de higiene. O vibrião vive naturalmente na água e
infectava os banhistas que depois o transmitiam por toda a Índia nas suas comunidades de origem. Algumas
epidemias também surgiram devido a peregrinos nos países vizinhos com aderentes
da religião hindu, como Indonésia, Birmânia e China.
Foi descrita pela
primeira vez no século XVI
pelo português Garcia da Orta,
trabalhando na sua propriedade, Bombaim, no Estado da Índia
português. Foi o inglês John Snow que
descobriu a relação entre água suja e cólera em 1854. A bactéria Vibrio cholerae foi identificada pelo célebre
microbiologista Robert Koch em
1883.
Foi só em 1817, com o estabelecimento do Raj britânico
na Índia, e particularmente na região
de Calcutá, espalhou-se a
cólera pela primeira vez para fora da região da Índia e países vizinhos. Ela
foi transportada por militares ingleses nos seus navios para uma série de
portos e a sua disseminação trá-la-ia à Europa e Médio Oriente, onde
até então era desconhecida. Em 1833 chegou aos
EUA e México, tornando-se uma doença global.
Numa das primeiras
epidemias no Cairo, matou 13% da
população. Estabeleceu-se em Meca e Medina, onde as peregrinações religiosas muçulmanas do Hajj permitiam concentrações suficientes de
seres humanos para se dar a cadeia de transmissão da epidemia, assim como nas
cidades grandes da Europa. Na Arábia foi endêmica até ao século XX, matando inúmeros peregrinos, tendo
sido aí que surgiu o agora disseminado serovar eltor. A disseminação pelos
peregrinos, vindos de todo o mundo muçulmano de Marrocos até às Indonésia, foi importante na sua globalização
assim como os navios comerciais europeus.
Durante o século XIX, surgiram abruptamente várias
epidemias nas cidades europeias, matando milhares em epidemias em Londres, Paris, Lisboa e outras grandes cidades. Uma dessas
epidemias em Londres, 1854, levou ao estabelecimento das primeiras
medidas de saúde pública, após
constatação que poços contaminados estavam na origem da doença, pelo médico John Snow.
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