TURISMO RURAL EM PORTUGAL: DOS SEUS PROTAGONISTAS PRINCIPAIS E DA SUA CONFIGURAÇÃO

Quadros técnicos de departamentos da administração central ligados ao setor do turismo tiveram, nessa fase de arranque, uma intervenção decisiva, nomeadamente na formulação de propostas e na prospecção de formas específicas de alojamento e também no levantamento mais ou menos exaustivos do potencial do que poderia constituir o universo da sua oferta no país. Por sua própria natureza e pelas formas distintas de tratamento e de relacionamento entre hóspedes e hospedeiros que pressupõe, esse tipo de alojamento dá corpo a um produto absolutamente inovador em termos do mercado turístico nacional, que, por isso mesmo, também e em grande medida, é tomado como potencial contraponto aos turismos correntes, em especial ao chamado turismo azul, no qual se vinham acumulando os sintomas e as manifestações negativas de um processo de crescimento rápido e massivo.
Todavia, a obtenção daqueles apoios financeiros impõe aos respectivos beneficiários o compromisso de manutenção da atividade turística por um período mínimo de dez anos, condição que ainda hoje vigora.
Aliás, os benefícios financeiros foram e continuam a ser, direta e indiretamente, apontados por um número considerável de promotores de projetos de turismo no espaço rural como o fator de maior peso nas respectivas tomadas de decisão de adesão à exploração dessas atividades.
Por outro lado, a delimitação oficial do número máximo de quartos por unidade – seis em turismo rural e dez em turismo de habitação e agro turismo – constitui um reforço adicional do caráter familiar que, quer no plano funcional quer relacional, pretende-se instituir como elemento diferenciador e valorizador desse tipo de turismo, e que salvaguarda, ao mesmo tempo, outros aspectos consensualmente admitidos como fundamentais para seu sucesso: “pequena escala, ligação à comunidade existente e às suas formas de vida, o que se passa pela partilha das habitações”. A multiplicação de terras, casas e, em muitos casos já mesmo das próprias aldeias, deixadas ao abandono, na sequência do intenso e continuado êxodo rural que desde finais dos anos 50 e se tem verificado em toda a faixa interior do país, constituirá por certo a referência mais imediatamente inspiradora dessa mais recentemente modalidade de alojamento de turismo em espaço rural.
Os efeitos demonstrativos da entrada em funcionamento das primeiras unidades de alojamento de turismo em espaço rural e, sobretudo, os fortes estímulos financeiros que a atividade tem recebido constituem, com toda a certeza, as grandes referências do crescimento sistemático do setor, que somava, em 1996, um total de 493 unidades em funcionamento, das quais 181 de turismo de habitação, 214 de turismo rural e apenas 98 de agro turismo. É seguramente e em boa parte por aqui que passa a relativa sub-representatividade do agro turismo, ou seja, da modalidade legalmente definida pela obrigatoriedade de integração da casa de habitação numa exploração agrícola ativa, e, por conseguinte, daquela que mais direta e expressamente encaixa com o exercício de atividades agrárias.
A questão da privacidade aparece, aliás, igualmente referida como constrangimento por parte de alguns hóspedes, tendo alguns analistas do setor chegado já à “conclusão de que muitos turistas tradicionais, embora muitas das casas dos anfitriões e de todo o clima especial os envolvesse, apreciavam na mesma proporção uma certa privacidade”.
Uma variedade de recursos viabiliza práticas turísticas muito diversas, entre as quais se vêm destacando as atividades cinegéticas, os desportos radicais e outras atividades ao ar livre, pelas quais se vem processando a adaptação para uso público recreativo de muitos espaços rurais, alguns deles sob administração pública, de vocação e finalidades sociais prioritárias distintas, como é o caso da floresta ou das barragens.
Foi tomado como indicadores da adesão das primeiras, por um lado, a inclusão explícita das atividades de animação como dimensão integrante da definição oficial do turismo em espaço rural, constante da mais recente legislação sobre a matéria e também a identificação que nela se faz dos conteúdos que essa animação deve privilegiar – os produtos das regiões, o seu patrimônio natural, paisagístico e cultural, o artesanato, a gastronomia, o folclore, a caça, entre outros textualmente expressos – e, por outro lado, o progressivo alargamento dos esquemas de apoio financeiro a projetos nesse domínio.
Vale a pena, a esse respeito, referir o caso da evolução do turismo fluvial no rio Douro, cujos principais produtos são as viagens de cruzeiro de duração variável – um dia, um fim de semana, uma semana, etc. – entre a cidade do Porto e a região demarcada do Douro.
Esse dinamismo se vem revelando de forma particularmente manifesta no setor das quintas. Por essa via, aumentam os postos de trabalho diretos e indiretos.
Na caracterização da procura de turismo em espaço rural, identificam-se aspectos que permitem apresentá-la como sendo simultaneamente diferenciada e homogênea. Todavia, com a progressiva adesão dos nacionais a esse tipo de turismo, o predomínio de estrangeiros vem naturalmente decrescendo.
Nacionais e estrangeiros partilham, porém, uma série de denominadores comuns quanto a sua caracterização. A presença de turistas estrangeiros era particularmente dominante (73%) na região do Douro, onde excedia em muito a dos nacionais.
Os visitantes nacionais são quase exclusivamente de extração urbana, e provêm, na sua grande maioria (60%), de Lisboa e áreas adjacentes. Com efeito, tirando os que ainda estudam e que, representam por volta de 16% do total, registramos entre os inquiridos um claro predomínio de títulos universitários (62% do total). Não parece, pois, abusivo associar a esse perfil, para além de um nível de expectativas, interesses e exigências muito distinto, e de um sentido de responsabilidade mais apurado, um considerável potencial econômico, um grande poder aquisitivo, em outras palavras, uma real capacidade para deixar dinheiro nas regiões visitadas. De acordo ainda com os resultados do estudo, a reduzida expressão quantitativa dos gastos diários desses turistas tem mais a ver com a incapacidade das áreas rurais para captar, para induzir os turistas a gastar dinheiro, do que com a capacidade e a disponibilidade destes para o fazerem.


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