Cabral não descobriu o Brasil

Por muito pouco, em vez do português nossa língua hoje poderia ser o italiano. A história começa na cidade de Gênova (atual Itália), um riquíssimo entreposto comercial da Idade Moderna. Segundo Antônio Francisco Dória, professor titular da Escola de comunicação da UFRJ e um dos maiores estudiosos da História do Brasil, sabe-se através de documentos da própria coroa portuguesa que desde a última década do século XIII os genoveses estavam navegando no Atlântico e desenhando mapas de "gigantescas ilhas" densamente cobertas por florestas. Ao estudar as conhecidas cartas de Mariá, Cristóvão Colombo, "descobridor" da América, percebeu que umas das "ilhas" tinha um formato idêntico ao da costa norte daquilo que hoje conhecemos por Brasil. Além disso, desde o século XIV, esses exímios navegadores italianos trabalhavam secretamente para Portugal, que ainda não tinha condições técnicas de se aventurar pelos mares afora. Mesmo quando se aventurou, sua frota foi montada pelo genovês Emanuelle Pezagno.

A descoberta em 1425
Há evidências de que Bartholomeo Palastrelli, um rico comerciante italiano que mais tarde se tornou navegador, tenha feito os primeiros traços das terras brasileiras e aportado por aqui numa expedição maritíma, por volta do ano de 1425.

O segredo de Colombo
Sua filha bastarda, Isabel Moniz, casou-se em 1479 com Cristóvão Colombo (um genovês), confiando ao marido o revelador documento do pai. Antes de falecer, Palastrelli entregou aos portugueses apenas uma cópia, obviamente feita à mão. Os portugueses mantiveram o segredo por questões estratégicas - rivalidade com a Espanha -, e colombo, por fidelidade à sua mulher.
"Comecei a vasculhar a história motivado pelas origens da minha família e descobri que muitos historiadores brasileiros não sabem interpretar os documentos", conta Dória, que é descendente de nobres genoveses cujo destino esteve ligado às primeiras navegações de que se tem notícia. Lodisio Dória, da décima-oitava geração anterior a Francisco, simplesmente foi aquele que financiou toda a viagem de Cristóvão Colombo através do Atlântico no ano de 1492.
Portugal já sabia da existência das terras tupiniquins e guardou segredo, temerosa de que a Espanha as ocupasse. Pelo Tratado de Tordesilhas (1494), grande parte do Brasil pertencia por direito aos espanhóis. E os genoveses só não ocuparam a região porque, além de não terem condições de arcar com as caríssimas expedições de colonização, nem desconfiavam das riquezas que havia por aqui. No ano de 1500, partiu de Lisboa a missão comandada pelo Senhor de Belmonte, Pedro Álvares Cabral. Ao contrário do que está nos livros, as caravelas não iam apenas para as Índias e vieram parar "por acaso" no Brasil. Teria havido um roteiro traçado, onde o Brasil seria uma escala obrigatória.

Quem era Cabral?
O mistério também cerca a identidade de Cabral. Até hoje, ele é praticamente um desconhecido. Tanto que procurar informações sobre o navegador não é tarefa para qualquer um. Os poucos registros ainda estão em Lisboa e mesmo assim as anotações são escassas. Até no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RJ), especializado em história do Brasil, somente alguns livros falam do nosso descobridor.
"Quando citamos Cabral, não é possível afirmar com 100 por cento de certeza a precisão das datas", observa o presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arno Wehling. Acredita-se que Pedro Álvares Cabral tenha nascido em 1467 ou 1468, no castelo da vila de Belmonte, de Som Fernão Cabral. Seu pai tinha o apelido de Gigante da Beira, devido à grande estatura. Além disso, era respeitado tanto pela bravura e nobreza de seus antepassados como pelo talento como guerreiro e habilidade de administrador.

Na corte de D. João II
Passou os primeiros anos de vida no castelo de Belmonte ao lado dos pais e dos irmãos. Com a morte do irmão mais velho, finalmente recebeu o sobrenome da família, Cabral. Com onze anos, foi para a corte de D. João II, onde aprendeu literatura, história, ciência e o manejo das armas. Logo, recebeu o título de "moço fidalgo" por volta dos 20 anos, uma idade que na época já era considerada madura.
Alguns anos mais tarde, o novo rei, D. Manuel I, o Venturoso, resolveu designá-lo para o comando da expedição que chegaria ao Brasil. O verdadeiro objetivo da viagem era consolidar as relações comerciais com as Índias, que Vasco da Gama havia iniciado. Afinal, Portugal precisava dominar o mercado de especiarias. Por isso, a expedição de Cabral ganhou destaque no Reino.

Uma equipe experiente
"Um ponto polêmico era a experiência de Cabral com a navegação. Alguns dizem que ele não sabia nada e que na verdade não passava de um intelectual. Outros historiadores afirmam que Cabral devia ter conhecimentos de náutica, já que navegadores mais experientes com Duarte Pacheco Pereira e Bartolomeu Dias, descobridor do Cabo da boa Esperança, estavam sob seu comando", explica o professor Arno.
Aliás, os navegadores Duarte Pacheco Pereira e Vicente Pinzón mereceriam um capítulo à parte na história do descobrimento. O espanhol Pinzón, que inclusive fez parte da expedição de Colombo, teria pisado em terras brasileiras pela primeira vez. Já o português Duarte, segundo o professor, teria passado pelo Brasil dois anos antes da chegada de Cabral e aportado na região do Amazonas.
A saída de Portugal foi uma festa. Até Dom Manuel prestigiou a expedição, comparecendo pessoalmente à praia do Restêlo em 8 de março de 1500, onde foi rezada uma missa. Na tarde da segunda-feira, dia 9, com a chegada de ventos propícios, finalmente começou a viagem. "A esquadra era composta por aproximadamente 1500 homens e havia 17 padres." Cada caravela tinha 2 ou 3 mastros, com popa em latas (espécie de vigas) de dois pavimentos. Elas eram ligeiras, manobráveis e transportavam cerca de 120 homens, Cabral tinha então 33 anos.

Instruções confidenciais
Devido à escassez de documentação, pouco se conhece sobre a viagem. Acredita-se que o comandante tenha recebido instruções secretas para seguir a costa africana e depois viajar em arco, chegando perto do Brasil. O que se passou já é conhecido: na segunda quinzena de abril, ele avistou o monte Pascoal e dois dias depois chegou à baía Cabrália.
A data de 22 de abril de 1500 significa, portanto, apenas o dia em que Portugal avisa à espanha e ao mundo conhecido: "Chegamos a essa terra e por isso ela é nossa." Mesmo que essa posse definitiva (colonização) só viesse a se concretizar três décadas mais tarde. Depois de parar no Brasil, Cabral foi às Índias, voltou para Portugal e nunca mais deu as caras.

Glória e esquecimento
A chegada foi muito festejada, principalmente porque a viagem significava a consolidação do mercado de especiarias, dominado pelos italianos. "Cabral foi muito bem recebido pelo rei. Trouxe uma quantidade enorme de especiarias, o que abalou o mercado europeu. Documentos italianos mostram que houve uma crise fortíssima e muitos comerciantes chegaram a falar em falência", esclarece Arno Wehling.
Em 1502, Cabral foi convidado pelo Rei D. Manuel para chefiar uma nova expedição à Índia. Mas, por algum motivo, ele não aceitou. "Temos novamente que deduzir, já que não existem documentos oficiais, mas parece que Cabral caiu em desgraça e deixou a corte", diz o professor. Passou a viver em sua propriedade rural em Santarém.
Somente em 1514 o vice-Rei Afonso de Albuquerque resolveu interferir em favor de Cabral. Escreveu uma carta a D. Manuel pedindo o perdão real para o velho comandante e conseguiu influenciá-lo. Em 1515, Cabral passou a receber uma pensão maior e três anos depois foi citado no Livro dos Moradores da Casa d'El Rei Dom Manuel como cavaleiro do Conselho Régio.
Mas já era tarde. Pedro Álvares jamais retornou ao mar, e, um ano antes de D. Manuel, morreu em Santarém, sendo sepultado na Igreja da Graça. Era o ano de 1520, dez anos antes do início da colonização portuguesa no Brasil. Ele foi enterrado ao lado da mulher, e sobre sua campa foi gravado: "Aqui jaz Pedro Álvares e Dona Isabel de Castro, sua mulher, cuja é esta capela e de todos os seus herdeiros, a qual, depois da morte de seu marido foi camareira-mor da Infanta Dona Maria, filha del-rei Dom João. Nosso Senhor..." Quer dizer, a inscrição não destaca em nenhum momento os feitos do navegador. Um triste fim.

*Alexandre Peconick e Carla Sena - Revista Íncrivel - Ano IV - Nº 54 - Abril de 1997 - Editora Bloch

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